Disponibilização: Quinta-feira, 28 de Outubro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano IV - Edição 824
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casal no referido período (documentos juntados a fls. 313/582). Citados, os réus apresentaram contestação refutando o exposto
em exordial, argumentando que a relação entre a autora e o falecido não se caracterizou como união estável, eis que ausentes
os seus requisitos, quais sejam: coabitação, ânimo de constituir família e publicidade. Juntaram documento no qual consta
testamento assinado pelo de cujus, em que este deixa seus bens para seus irmãos, porém, deixa, também, bem imóvel localizado
na rua Augusta e uma quantia de R$ 100.000,00 para a autora (fls. 646/648). Foi produzida prova oral em audiência, com
colheita do depoimento pessoal da autora e inquirição de testemunhas (fls. 836/890). As partes apresentaram memoriais em fls.
897/915 e 917/936. É o relatório. Decido. Trata-se de ação declaratória, pela qual pleiteia a autora o reconhecimento da união
estável que alega ter havido entre ela e o espólio de G E C, T P D e A R C. De início, afasto os pleitos novos formulados nos
memorais visto não ser possível a alteração ou inclusão de pedidos nesta fase processual. No mérito o pleito de reconhecimento
de união estável é procedente. Para o reconhecimento desta entidade familiar necessário que o relacionamento havido entre as
partes apresentem determinadas características, como a convivência pública, contínua e duradoura, que tenha por objetivo a
constituição de uma família em que os conviventes observem os deveres de lealdade, respeito e assistência mútua. É preciso,
ainda, que não ocorram os impedimentos para o casamento. Resulta do robusto conjunto probatório coligido ao longo do
processo, que o relacionamento havido entre Neuza e Gastão foi muito além de um superficial namoro, como vislumbrado na
contestação dos requeridos. Com efeito, Neuza não foi apenas um “caso” na vida do varão. Nesse sentido a primeira e mais
importante prova é precisamente o testamento feito por Gastão, por meio do qual deixou o imóvel da Rua Augusta e mais a
quantia de R$ 100.000,00 para ela (fls. 646/647). Ora, quem é que, tendo irmãos vivos, deixaria por testamento expressiva parte
de seu patrimônio para alguém que não passou de um “caso”, ou uma “aventura”? Outra evidência incontornável do caráter
marital da relação afetiva que os unia é o papel desempenhado por Gastão no casamento de Adriana, filha de Neuza. O convite
de casamento traz, acima do nome da noiva, os nomes “Neuza Calazans e Gastão E. Campanaro” (fls. 363) externando de
forma pública para centenas de convidados, amigos e familiares dos nubentes, que Neuza e Gastão constituiam a família da
noiva, na qualidade de mãe e padrasto. Poderia tal menção no convite ser entendida como gratidão ou reconhecimento pelo
suposto patrocínio da festa por parte de Gastão, como querem os contestantes, não fosse o fato, mais relevante ainda e cheio
de significado, de Gastão ter conduzido a noiva dentro da igreja, até o altar, em detrimento do próprio pai biológico de sua
enteada. Nada pode ser mais público, simbólico e representativo de que Neuza, Gastão e Adriana formavam uma família. Há
outras evidências. Vejamos. Examinando o documento de fls. 321, proposta de compra do sítio em Ibiúna, verifica-se que
Gastão é identificado como casado com Neuza e residente no endereço da Rua Augusta. Contas de telefone e de energia
elétrica, foram anexadas constando, em algumas o nome do de cujus, e em outras o nome da autora, todas tendo o mesmo
endereço da rua Augusta, o que corrobora o alegado pela requerente em exordial, e comprova o convívio do casal naquele
imóvel. José Guedes, porteiro do prédio da Rua Augusta por mais de dezessete anos, assinou declaração na qual afirma
conhecer o casal há mais de dez anos, “que sempre residiram no apartamento 52, inexistindo dúvidas quanto a condição de
marido e mulher, quer pela forma de tratamento entre eles ou pelo recebimento de correspondência em nome de ambos” (fls.
399). Vizinhos do casal em Ibiúna subscreveram as declarações juntadas às fls. 400/402 dando testemunho de que os dois
viviam e apareciam perante a sociedade como marido e mulher. Como se vê, a convivência pública, contínua e duradoura, com
o objetivo de constituir família, está sobejamente demonstrada pela prova amealhada no curso do processo. Além das
declarações firmadas por pessoas do relacionamento do casal, dentre as quais o porteiro do prédio da Rua Augusta, há o relato
das três testemunhas arroladas pela autora (fls. 848/861) que asseguram a convivência more uxorio, sob o mesmo teto, havida
entre Neuza e Gastão. Tudo isto somado à maciça prova documental encartada aos autos, afasta a hipótese de singelo namoro,
aventura, caso ou qualquer outra espécie de relação menos profunda. As inúmeras fotos anexadas denotam claramente o
estreito convívio familiar e participação do casal em eventos com a presença de inúmeros parentes e amigos, como por exemplo
a formatura da sobrinha Vanessa. É certo que paira alguma incerteza quanto à efetiva coabitação, ou seja, se Gastão e Neuza
moraram juntos, dividindo o mesmo teto. Isto porque os réus insistem que Gastão sempre morou no apartamento da Rua
Tabapuã, o que é referendado pela empregada Maria José (fls. 863/874) e por alguns documentos, como a procuração outorgada
por Neuza a Gastão (fls. 347) entre outros. É bem provável que Gastão, efetivamente, tenha mantido para si o apartamento da
Rua Tabapuã, que alternava com o imóvel da Rua Augusta e, mais tarde, com o sítio de Ibiúna, com isso dispondo de duas
residências em São Paulo e mais uma no interior. O reconhecimento desta circunstância, todavia, em nada alteraria o
enquadramento jurídico ora formulado. Ainda que cada um mantivesse seu próprio apartamento, é fato que ambos mantinham
estreito relacionamento afetivo, público e notório, o que não descaracteriza a convivência, assim entendida como vida em
comum. . Como ensina Euclides de Oliveira com seu costumeiro tirocínio, “a lei não menciona o dever de coabitação, ou vida em
comum no mesmo domicílio, que constitui, numa visão tradicionalista e na concepção jurídica do casamento civil, um dos
deveres básicos dos casados. Abre-se campo à excepcional configuração da união estável à distância, mesmo que residam, os
companheiros em locais diversos (como admitido pela Súmula 382 do STF, para caracterização do concubinato), desde que,
não obstante esse distanciamento físico, subsista a convivência definida na lei.” (Extraído do artigo intitulado “Distinção Jurídica
entre União Estável e Concubinato”, publicado no livro Novo Código Civil Questões Controvertidas no direito de família e
sucessões Série Grandes Temas de Direito Privado Vol. 3, Editora Método, 2ª tiragem, 2006, pág. 244.) A destoar deste
harmônico e robusto quadro probatório, há apenas os depoimentos das testemunhas dos réus, Maria José, a empregada, que
ainda se beneficia morando de favor e com as contas pagas pelos herdeiros do falecido e Francisco Bosco, que afirmou
desconhecer Neuza, mas enrolou-se ao ter de explicar como prestou serviço como advogado para Adriana, filha dela (fls.
876/884), ambas testemunhas arroladas pelos réus, tendo em comum a amizade pelos requeridos. No entanto, os documentos
confirmam a versão das testemunhas da autora, não dos réus, que restaram escoteiras nos autos. A consequência jurídica da
união estável é a meação dos bens adquiridos na constância da relação, nos moldes do regime de comunhão parcial (art. 1.725
do Código Civil) e a participação na herança na forma do art. 1.790 do Código Civil. Resta estabelecer o início da união estável.
Segundo se depreende da inicial, foi no final de 1995 que Gastão apresentou o imóvel da Rua Augusta para a autora, de modo
que o relacionamento, nas suas palavras, “teve um progresso”, passando a autora e Gastão a viverem sob o mesmo teto.
Acrescenta, ainda, a requerente, que “foi neste período que a autora passou a administrar o lar comum, exercendo funções
tipicamente de companheira/esposa”. Assim, o período anterior não pode ser computado para fins de caracterizar a união
estável, pois fica claro que se tratava da fase de namoro, sem maior compromisso. Ante o exposto e considerando o mais que
dos autos consta JULGO PROCEDENTE a ação proposta por N C S contra o ESPÓLIO de G E C , T P D e A R C para o fim de
DECLARAR por sentença, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, que N C S e G E C conviveram em união estável
desde o final do ano de 1995 até 12 de junho de 2008, data do óbito do varão, reconhecendo, por conseqüência, o direito dos
conviventes à meação sobre os bens adquiridos onerosamente por ambos dentro do referido período. Arcarão os réus com as
custas e despesas processuais, assim como honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em 10% sobre o valor atualizado
da causa. P. R. I. - ADV: PAULO DE TARSO GOMES (OAB 16965/SP), MARIA SYLVIA DE TOLEDO RIDOLFO (OAB 122380/
SP), THAIS HELENA COLANGELO ZYNGER (OAB 204149/SP)
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º