Disponibilização: segunda-feira, 29 de julho de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XII - Edição 2857
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foram realizadas buscas patrimoniais junto aos sistemas Bacenjud, Infojud, Renajud e ARISP, que resultaram apenas na
constrição de cerca de R$90.000,00 (fls. 57/92), portanto, quantia insuficiente a saldar a dívida. Ocorre que, além das pesquisas
negativas, a escritura de inventário extrajudicial, lavrada junto ao 5º Tabelionato de Notas de Santo André, em 19/03/2015, dá
conta de que, a despeito do elevado patrimônio, todos os bens dos corréus Fabio e Cristiane foram alienados, tendo havido
manobra inclusive com a cessão de parte da herança em favor da corré Maria, genitora, com a finalidade de evitar que os bens
dos corréus executados respondessem pelas dívidas (fls. 93/102). A pretensão do autor se volta contra o item 12.2 do inventário
que menciona o seguinte: “12.2. DA CESSÃO DA FRAÇÃO DA HERANÇA: Por este instrumento comparecem como cedentes
LILIANE DE GERONE com anuência de seu marido NORBERTO RUBEM GONSALES JUNIOR, FABIO LUIS DE GERONE e
CRISTIANE DE GERONE e como cessionária: MARIA IZABEL DE GERONE, todos acima qualificados, então pelos cedentes é
dito que cedem todas as suas cotas da empresa VALDAGNO PARTICIPAÇÕES LTDA, inscrita no CNPJ sob o nº 19.372.779/000102 e NIRE 35227990012, com sede na rua Adolfo Bastos, nº 1124, Apto 52, Vila Bastos, em Santo André/SP, com sua primeira
alteração de contrato social consolidada registrada na JUCESP sob nº 102.015/14-4, em 18/03/2014, que correspondem à
431.896,60 cotas no valor de R$. 1,00 (um real) cada uma, pelo valor total de R$. 431.896,60 (quatrocentos e trinta e um mil
oitocentos e noventa e seis reais e sessenta centavos). pagos neste ato em moeda corrente nacional, do qual os cedentes dão
à cessionária MARIA IZABEL DE GERONE plena, geral e rasa quitação, por si, seus herdeiros e sucessores, passando a
cessionária MARIA IZABEL DE GERONE com a presente cessão à possuir a totalidade das cotas da empresa, após devidas
alterações e averbações na JUCESP e+ demais órgãos competentes, tal qual orientação dada às partes” (fls. 100). Observa-se
que a alteração do contrato social foi averbada em 15/09/2015 para a redistribuição do capital todo em favor da corré Maria,
tendo havido a retirada da sociedade dos sócios Liliane, Fabio e Cristiane, permanecendo a última, contudo, como administradora,
nada obstante a genitora Maria tenha passado a deter sozinha o capital social no valor de R$2.370.000,00 (fls. 103/105 e
107/109). A cláusula 1ª da 4ª alteração e consolidação do contrato social apontou que os sócios Liliane, Fabio e Cristiane
estariam se retirando da sociedade com a transferência, respectivamente, de 143.966, 143.966 e 143.965 cotas, no valor de
R$143.966,00, R$143.966,00 e R$143.965,00 à sócia remanescente e genitora Maria, que lhes daria plena e geral quitação,
para não mais repetir, tanto no presente como no futuro (fls. 108). Após esta modificação, em 21/09/2016, houve nova alteração
contratual para transformação da sociedade limitada em EIRELI de titularidade tão somente de Maria e administrada pela corré
Cristiane (fls. 121/135 e 136/137). As ações de execução relativas às cédulas de crédito mencionadas na exordial foram
ajuizadas pelo autor em face dos corréus Fabio e Cristiane em 22/01/2016 e 27/01/2016 (fls. 45 e 52), razão pela qual não há se
falar que a alegada conduta dolosa por parte dos corréus pudesse caracterizar fraude à execução. Isso porque, como se vê, as
ações de execução são posteriores às manobras realizadas no tocante ao inventário extrajudicial e averbações junto à JUCESP
que se deram em março e setembro de 2015. Contudo, a inviabilidade do reconhecimento da fraude à execução não afasta a
perquirição acerca da ocorrência de fraude contra credores, ora aventada. É cediço que, pelo princípio da responsabilidade
patrimonial, nos termos do artigo 591, do Código de Processo Civil, o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações,
com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições legais. Assim, a fim de evitar que o devedor aliene o seu
patrimônio com o intuito de tornar-se insolvente e não haver meios para que o credor satisfaça o seu crédito, houve previsão de
três institutos, quais sejam, a fraude contra credores, a fraude à execução e os atos de disposição de bem já penhorado. A
fraude contra credores ocorre quando o deveder insolvente ou próximo da insolvência aliena, gratuita ou onerosamente, seus
bens, com o objetivo de impedir que seu patrimônio seja utilizado pelos credores para saldar as dívidas, sendo classificada
como vício social. Os pressupostos para o reconhecimento da fraude contra credores são o dano (eventus damni), pressuposto
objetivo, consistente no prejuízo provocado ao credor, que deve demonstrar que a alienação levou o devedor à insolvência ou
agravou ainda mais esse estado, bem como a fraude (consilium fraudis), pressuposto subjetivo, que é o conluio fraudulento
entre o alienante e o adquirente, sendo necessário que o adquirente esteja de má-fé. O artigo 159, do Código Civil, por sua vez,
presume a má-fé do adquirente nas hipóteses de insolvência notória ou quando houver motivo para que a insolvência do
devedor/alienante seja conhecida do outro contratante. Tem-se, portanto, que, na alienação gratuita ou remissão de dívida, a
má-fé é presumida, exigindo-se apenas a prova do eventus damni, ao passo que, no caso de alienação onerosa, deve ser
demonstrada a ocorrência tanto do dano quanto da fraude. No caso dos autos, verifica-se que os corréus celebraram, por
instrumento público, cessão onerosa de cotas sociais, tanto é que há menção não só na escritura pública, como também na
averbação do contrato social de que a corré Maria, em decorrência da aquisição das cotas, teria realizado o pagamento do
equivalente a “R$. 431.896,60 (quatrocentos e trinta e um mil oitocentos e noventa e seis reais e sessenta centavos). pagos
neste ato em moeda corrente nacional”, tendo constado expressamente que os cedentes, corréus Fabio e Cristiane e a coherdeira Liliane “dão à cessionária MARIA IZABEL DE GERONE plena, geral e rasa quitação, por si, seus herdeiros e sucessores”.
A despeito da quitação constante dos dois instrumentos públicos, este Juízo deferiu o pedido do autor para determinar aos
corréus a juntada das declarações de imposto de renda, podendo se ver pelos documentos que não houve pagamento no ato,
conforme mencionado pelo Tabelião. Os corréus, por sua vez, limitaram-se a afirmar que teriam acordado entre si que o
pagamento se daria de modo parcelado, e não conforme mencionado na ocasião da lavratura do inventário extrajudicial. Ocorre
que, considerando o contexto em que realizada a transação, bem como a existência de dívidas de elevada monta com vencimento
próximo, a ausência de efetiva quitação apenas reforça o argumento de prática fraudulenta por parte dos corréus, que, mesmo
possuidores de vasto patrimônio, não nomearam bens à penhora ou efetuaram o pagamento quando executados por quantia
devida ao autor. A declaração do imposto de renda do ano de 2016 aponta que a corré Maria, em 31/12/2015, possuía dívida
com Fabio, Liliane e Cristiane, no valor total de R$431.896,60, exatamente o que afirmou que teria pago no ato da escritura
pública (fls. 365). Na declaração do ano de 2017, por sua vez, há indicação de que continuou devendo a quantia de R$331.896,61,
sendo que a dívida junto ao corréu Fabio teria sido reduzida em R$100.000,00, já que declarou que deveria a ele apenas
R$43.965,53 (fls. 374). Em 2018, por fim, a declaração apontou que permaneceu em dívida com a quantia de R$331.896,61,
sem alterações em relação ao ano anterior (fls. 382). O corréu Fabio declarou crédito em 2016 junto à corré Maria de
R$143.965,53 (fls. 402), que foi reduzido para a quantia de R$43.965,53 em 2017 (fls. 411) e permaneceu neste montante em
2018 (fls. 419). Após, houve a juntada de comprovante de transferência bancária da quantia remanescente de R$43.965,53,
realizada em 23/01/2019 (fls. 422), ou seja, após o ajuizamento desta ação. A corré Cristiane, por sua vez, declarou em 2016
crédito junto à corré Maria de R$143.965,54 (fls. 422), que permaneceu o mesmo em 2017 (fls. 452) e 2018 (fls. 460). Após,
houve a juntada de comprovante de transferência realizada em 20/12/2018, após o ajuizamento desta ação, no valor total de
R$143.965,54 (fls. 463). Por fim, a co-herdeira Liliane declarou em 2016 crédito junto à corré Maria de R$143.965,53 (fls. 482),
que permaneceu o mesmo em 2017 (fls. 490) e em 2018 (fls. 498), sem prova de qualquer quitação. Verifica-se que, a despeito
da coerência das declarações de imposto de renda no tocante ao valor devido e aos valores quitados no período, as partes não
trouxeram aos autos prova inequívoca da quitação da integralidade do valor, já que remanesce o crédito em relação à Liliane,
tendo se evidenciado que as declarações prestadas junto ao Tabelião não são compatíveis com o que, de fato, ocorreu em
relação à divisão do patrimônio por força do falecimento do genitor e cônjuge dos corréus. Não foram apresentados extratos
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º