Disponibilização: segunda-feira, 29 de julho de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XII - Edição 2857
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bancários que demonstrem a integralidade dos pagamentos declarados junto à Receita Federal, assim como não podem ser
considerados aqueles realizados em momento posterior ao ajuizamento desta demanda. As alegações dos corréus de acordo
sobre parcelamento posterior à lavratura depõe contra a fé-pública que decorre do instrumento lavrado perante Tabelião, sendo
certo que o constante da escritura deve equivaler ao que, de fato, ocorreu, não sendo lícita a averbação de documentos que não
condizem com a realidade, circunstâncias estas que denotam a má-fé da conduta dos corréus na condução do inventário.
Conforme mencionado, o reconhecimento da fraude contra credores pressupõe a comprovação do dano e da fraude, no caso de
alienação onerosa, e tão somente do dano, no caso de alienação gratuita ou remissão de dívida, já que a má-fé é presumida. De
igual modo, presume-se esta quando a insolvência é notória ou quando houver motivo para que a insolvência do devedor/
alienante seja conhecida do outro contratante. Desta forma, imperioso o reconhecimento de que a conduta perpetrada pelos
corréus caracterizou fraude contra credores, quer se assuma a efetiva alienação onerosa, quer seja constatada a prática de
simulação, com a celebração de doação travestida de cessão onerosa. Isso porque o dano é evidente, já que, a despeito do
vasto patrimônio escriturado, não logrou êxito o autor em executar mais do que cerca de R$90.000,00 nas ações de execução
que totalizam cerca de R$1.500.000,00, não tendo os corréus se desincumbido do ônus de provar que contavam com patrimônio
para a solvência da dívida. A fraude, outrossim, que, nos negócios gratuitos se presume, dessume-se claramente no caso dos
autos, ainda que reconhecida a efetiva cessão onerosa, na medida em que há motivos mais do que suficientes para que se
admita que a insolvência do devedor era conhecida do outro contratante, já que se tratavam de entes da mesma família. O
conluio e a realização da fraude em conjunto restou evidencida, outrossim, pela coerência das declarações com o intuito de
maquiar a intenção de fraudar os credores. Ademais, é certo que, poucos meses após a realização da cessão das cotas entre os
corréus, em 05/08/2015, houve a distribuição de pedido de recuperação judicial pela empresa Santo Andre Distribuidora
Industrial Ltda, que é a devedora principal dos contratos celebrados com o autor e que teve por avalistas os corréus Fabio e
Cristiane (fls. 138/150). Este fato corrobora a alegação de má-fé, na medida em que é inequívoco que as partes já anteviram, na
ocasião da cessão das cotas, que a solvibilidade tanto da empresa quanto dos avalistas estaria sob risco. Ainda, não aproveita
aos corréus a afirmação de que estariam impedidos de realizar o pagamento da última parcela do contrato, sob o argumento de
que o deferimento do processamento do pedido teria impedido o pagamento de credores fora do plano de recuperação. Isso
porque, consoante o enunciado de súmula nº 581, do C. STJ, a recuperação judicial do devedor principal não impede o
prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia
cambial, real ou fidejussória. Sendo assim, não havia óbice a que realizassem o pagamento da dívida ou indicassem bens à
penhora após o ajuizamento da execução. Não se olvida que é exigido que o crédito seja anterior à alienação, de forma que, em
regra, somente quem já era credor no momento da alienação fraudulenta é que poderá pedir a anulação do negócio jurídico.
Contudo, é cediço que o C. STJ tem precedente no sentido de que este requisito pode ser dispensado se for verificado que
houve fraude predeterminada em detrimento de credores futuros, para evitar que a pessoa, já sabendo que iria contrair dívidas
em futuro próximo, aliene seus bens para evitar que os credores tenham como cobrar-lhe. Neste sentido, destaca-se:
“PROCESSO CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FRAUDE PREORDENADA PARA PREJUDICAR FUTUROS CREDORES.
ANTERIORIDADE DO CRÉDITO. ART. 106, PARÁGRAFO ÚNICO, CC/16 (ART. 158, § 2º, CC/02). TEMPERAMENTO. 1. Da
literalidade do art. 106, parágrafo único, do CC/16 extrai-se que a afirmação da ocorrência de fraude contra credores depende,
para além da prova de consilium fraudis e de eventus damni, da anterioridade do crédito em relação ao ato impugnado. 2.
Contudo, a interpretação literal do referido dispositivo de lei não se mostra suficiente à frustração da fraude à execução. Não há
como negar que a dinâmica da sociedade hodierna, em constante transformação, repercute diretamente no Direito e, por
consequência, na vida de todos nós. O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição, também intenta
- criativo como é inovar nas práticas ilegais e manobras utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um
desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com
vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana. 3. Nesse contexto, deve-se aplicar com
temperamento a regra do art. 106, parágrafo único, do CC/16. Embora a anterioridade do crédito seja, via de regra, pressuposto
de procedência da ação pauliana, ela pode ser excepcionada quando for verificada a fraude predeterminada em detrimento de
credores futuros. 4. Dessa forma, tendo restado caracterizado nas instâncias ordinárias o conluio fraudatório e o prejuízo com a
prática do ato ao contrário do que querem fazer crer os recorrentes e mais, tendo sido comprovado que os atos fraudulentos
foram predeterminados para lesarem futuros credores, tenho que se deve reconhecer a fraude contra credores e declarar a
ineficácia dos negócios jurídicos (transferências de bens imóveis para as empresas Vespa e Avejota). 5. Recurso especial não
provido.” (REsp 1092134/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/08/2010) No caso dos autos, os corréus realizaram a
cessão de cotas em março de 2015 cientes de que as dívidas, embora ainda não exigíveis, estavam próximas do vencimento, já
que o contrato nº 1637201, celebrado em 18/09/2014, no valor de R$1.000.000,00, venceria em 14/09/2015, assim como o
contrato nº 1622157, celebrado em 28/09/2012 e renegociado em 27/05/2013, no valor de R$150.000,00, venceria em
03/08/2015. Preenchidos os requisitos legais, de rigor o reconhecimento de que a alienação das cotas se deu em fraude contra
credores. É cediço que o Código Civil, nos termos do artigo 159, adotou a teoria da anulabilidade para o caso de fraude contra
credores, contudo, com respaldo nos princípios da segurança jurídica e da conservação dos negócios jurídicos, bem como a fim
de evitar julgamento ultra petita, deverá ser anulada apenas a cláusula 12.2 do inventário extrajudicial. Assim, poderá o banco
autor averbar, penhorar e eventualmente adjudicar ou alienar em hasta as 287.931,06 cotas com o valor de R$1,00 cada, para
saldar a dívida previamente constituída, declarando, em relação a ele, a ineficácia da cessão/doação da fração da herança de
Fabio Luis de Gerone e Cristiane de Gerone, avalistas, consistente nas cotas sociais da empresa Valdagno Participações Ltda
em favor da corré Maria Izabel de Gerone. Ante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, com resolução do mérito,
nos termos do art. 487, inciso I do CPC, para o fim de ANULAR a cláusula 12.2 do inventário extrajudicial, de forma que o banco
autor possa averbar, penhorar e eventualmente adjudicar ou alienar em hasta as 287.931,06 cotas com o valor de R$1,00 cada,
para saldar a dívida previamente constituída, com a declaração de ineficácia da cessão/doação da fração da herança de Fabio
Luis de Gerone e Cristiane de Gerone, avalistas, consistente nas cotas sociais da empresa Valdagno Participações Ltda em
favor da corré Maria Izabel de Gerone. Expeçam-se, oportunamente, os competentes mandados à JUCESP e ao Tabelionato em
que registrado o negócio. Em razão da sucumbência, condeno os corréus ao pagamento das custas e demais despesas
processuais, bem assim dos honorários advocatícios do patrono do autor, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído
à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. De modo a evitar o ajuizamento de Embargos de Declaração, registre-se que,
ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada, observando que o pedido foi
apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado. Por corolário, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de
embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da
multa prevista pelo artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. P.R.I. - ADV: ROMEU DE OLIVEIRA E SILVA JUNIOR (OAB
144186/SP), CLEUZA ANNA COBEIN (OAB 30650/SP), RICARDO FELIPE DE MELO (OAB 347221/SP)
Processo 1004788-66.2019.8.26.0554 - Procedimento Comum Cível - Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º